Viúva Negra vem aí depois de muito tempo. A não-super heroína ruiva e poderosa de Scarlett Johansson se tornou um ícone cinematográfico instantâneo no momento em que ela socou o primeiro valentão em Homem de Ferro 2. Ainda assim, apesar de Johansson já ter falado sobre seu desejo de fazer um filme solo por quase uma década, somente agora tudo se juntou para fazer essa visão se tornar realidade. Desde que Natasha Romanoff confessou ter um vermelho em sua conta que ela gostaria de limpar em Vingadores em 2012, espectadores sabem que há uma história complicada que vale a pena ser explorada. Foi uma longa espera para os fãs, claro, mas não uma espera frustrante para Johansson.
“Eu não senti que a personagem precisava ser vingada”, Scarlett conta a Total Film pelo Zoom depois de ser perguntada sobre a luta para dar vida ao filme solo da Viúva Negra. “Quando nós terminamos Vingadores: Ultimato, eu me senti bem em relação ao trabalho que fizemos. Eu senti que, a não ser que nós fossemos a fundo, o que esse filme fez… Eu pensei, ‘Ok, ela…”
Johansson para por um segundo para meditar sobre sua resposta. Ela passou os últimos 10 anos com o time anti-spoiler da Marvel escutando todas as conversas e agora não seria o momento para deixar escapar algo, especialmente com o final da sua jornada como Viúva Negra à vista. Atrás dela hoje, entretanto, não há agentes da imprensa – somente uma parede branca neutra com uma janela solitária com vista para a natureza.
“Eu amo a Natasha,” ela recomeça. “Ela teve uma jornada de dez anos incrível, e eu senti que ela finalmente pôde fazer uma escolha ativa.” Ela está se referindo à decisão controversa da Viúva Negra de se sacrificar para obter a Jóia da Alma em Vingadores: Ultimato. “Pareceu condizente com a personagem, aquele último sacrifício que ela faz. Ela estava em paz com aquilo, e, de certa forma, ela sabia que era seu destino o tempo todo, de uma forma estranhamente poética. Quando você olha para os outros filmes, está lá. Todos os filmes a levaram àquela escolha ou de ser capaz de fazer aquela escolha; ou que isso pudesse ser uma escolha.”
Com o destino final de Natasha selado e sua história satisfatoriamente contada, Johansson se questionou sobre o que faltava contar em uma história solo. Para o filme valer a pena, teria que ser criativamente desafiador e, como Johansson diz, descascar as camadas para “encontrar a parte vital da jornada dessa personagem”.
A chave foi encontrar Cate Shortland. A Marvel tem criado o hábito de pegar bons diretores indie como Taika Waititi, Ryan Coogler e James Gunn e lhes dar uma plataforma multi milionária para contar histórias de super heróis. Apesar disso, para Shortland- cujo currículo inclui o drama da Segunda Guerra Mundial Lore e o thriller de sequestro Berlyn Syndrome – havia uma hesitação em aceitar o trabalho.
“Scacrlett e eu conversamos por Skype quando eu estava na Australia,” ela diz, também pelo zoom (O Skype saiu de moda durante a pandemia). “Eu estava tentando descobrir se eu queria fazer o filme, por que eu não conseguia acreditar que eles estavam me pedindo. Eu pensei, ‘que mistura estranha. Eu e a Marvel?”
Houveram horas de conversas mas, eventualmente, a diretora estava convencida de que seria um personagem interessante de investigar. Shortland rapidamente começou a trabalhar com um pesquisador russo para criar arquivos de antecedentes para a Natasha. “Essa foi a primeira vez que isso foi feito em dez anos,” ela continua. “E eu lembro da Scarlett chegar para mim e dizer, ‘Meu deus, eu realmente sou russa’. E isso foi muito bom.”
Preencher a história de Natasha ajudou a fundamentar a personagem para Johansson como nunca antes, e deu aos roteiristas material novo para mergulhar. A partir daí, um período de tempo foi escolhido: após Capitão América: Guerra Civil, mas antes de Vingadores: Guerra Infinita. “Aquele momento específico [na vida de Natasha] nos deu a oportunidade de explorar a personagem em um período que ela não pertence a ninguém: ela não tem família, ela não está trabalhando para nenhuma organização,” diz Johansson, que também é produtora do filme e ajudou muito no desenvolvimento. “Ela está realmente sozinha, e tudo está quieto. É desse período quieto que ela esteve fugindo por praticamente toda a sua vida, e agora ela tem a oportunidade de ser auto-reflexiva. E é quando tudo isso aparece.”
Por debaixo da pele
Cair de cabeça na história de Natasha não foi fácil. Na verdade, Johansson admite (com uma risada, que poderia ser simplesmente um mecanismo de defesa contra uma memória traumática) que todo o processo de roteirizar foi “extremamente estressante” por que havia muito a ser explorado no passado da personagem. “Nós chegamos a um grande momento que era super existencial e muito poético,” diz Johansson. “Todas aquelas notas em Post-it foram arrancadas”.
A história logo se transformou em algo que poucas pessoas, incluindo o time criativo, esperavam – um drama familiar. Entretanto, não foi Shortland que surgiu com essa ideia para Natasha, mas sim o produtor principal da Marvel, Kevin Feige.
“[Essa decisão] foi enigmática para mim,” diz Shortland. “E então eu percebi, no final, que Kevin e eu tínhamos visões similares. O que eu realmente queria fazer era expor a personagem e entrar sob sua pele. A família criou uma dinâmica com a qual isso poderia acontecer. Nós vemos um lado diferente da personagem, porque ela está em cenas com pessoas que a conhece desde que ela era criança. Ela não é uma super heroína nessas cenas: ela é uma filha ou uma irmã.”
Esses momentos de família são, julgando pelos trailers, divertidos e sérios. Florence Pugh interpreta Yelena Belova, uma figura de irmã mais nova e também uma Viúva Negra. Semelhantemente, a Melina Vostokoff de Rachel Weisz passou pelo mesmo treinamento torturante. E temos o paternal Alexei Shostakov de David Harbour, mais conhecido como Guardião Vermelho – a versão menos bem sucedida do Capitão América da Rússia. A princípio, os três personagens são antagonistas de Natasha: ela os abandonou para lutar com os Vingadores na América. Mas após os eventos de Guerra Civil, ela está de volta com eles – e é complicado, para dizer o mínimo.
“As relações que Natasha tem com outros personagens nesse filme são muito mais complexas do que quaisquer outras relações que você já tenha visto,” diz Johansson. “É uma coisa complicada. é como uma maquiagem. É seu calcanhar de Aquiles. Essas pessoas sabem quais botões apertar, porque foram eles que os instalaram. Há muita expectativa e frustração. Essas pessoas passaram por muitos traumas e perdas.
“Natasha tem medo de ser amada,” Shortland adiciona. “Ela é revestida de Teflon, e é uma personagem fetichizada. Então você não vê com muita frequência, a profundidade dela. O que nós queremos ver é ela se perdoando e permitindo as pessoas se aproximarem. Eu acho que isso é muito bonito porque permite que o público a veja de uma forma diferente.
O que eu queria ter certeza é de conectá-la ao universo,” a diretora continua. “Eu não estou falando do Universo da Marvel, mas de um universo maior, para que o público sinta que ela estava conectada ao mundo espiritual e ela não era só uma mulher com roupa de couro quebrando tudo, e que ela era uma criatura vulnerável, bruta, brava e ilógica que foi machucada quando era criança. Como você entende o significado disso como adulto? E como você perdoa aqueles à sua volta que lhe causaram esse trauma?”
Vendo o vermelho
Isso tudo soa, em comparação com o estilo do MCU de filmes alegres que agradam a platéia, um pouco pesado. Você poderia ser perdoado por esquecer que Viúva Negra se passa no mesmo universo cinematográfico que Homem Formiga, Guardiões da Galáxia e Doutor Estranho. A diferença gritante entre esse filme e outros filmes da Marvel se torna ainda mais evidente quando conversamos com Weisz e Pugh sobre o período de suas personagens na infernal Sala Vermelha, o centro de treinamento para novas Viúvas.
“É um trinamento muito disciplinado onde há muito abuso e tortura psicológica, física e emocional,” diz Weisz. “Esse filme é sobre o abuso contra mulheres. É sobre como elas são esterilizadas contra sua vontade com oito anos de idade. É sobre garotas que foram roubadas de todas as partes do mundo. É muito doloroso, e é muito importante.
Parte do entusiasmo para mim é que mulheres e meninas do mundo todo vão ver isso, e vão ver uma história de abuso que foi realmente desafiada pelas vítimas. Para um filme da Marvel alcançar todos esses níveis, é muito animador. A melhor coisa sobre esse filme é que, não é colorido em tons de cinza. Você vai ver essas mulheres persistirem e serem fortes, e elas são assassinas – e ainda assim elas precisam discutir sobre como foram abusadas. É incrivelmente poderoso.”
Para Shortland, a história de Natasha naturalmente inclina-se para assuntos mais sérios devido à própria natureza da personagem em comparação aos outros Vingadores. “Ela é a única personagem que realmente não tem super poderes,” ela diz. “Nós vemos isso como uma força, por que ela sempre tem que se esforçar muito para sair de situações de merda. E nós colocamos ela em várias situações difíceis. Eu pensei em mulheres sendo atacadas andando para a estação de metrô, e o que acontece.
Natasha é como Clarice, de O Silêncio dos Inocentes. Isso é ótimo, porque quando ela segura sua arma, ela treme. Mas é realmente durona por dentro, e resiliente. E eu quis trazer isso para a personagem. Então você não está vendo ela apenas se livrar de situações sabendo que ela vai se dar bem. Você quer ver sua determinação e força. E é o que nós conseguimos.”
Johansson considera Viúva Negra “um filme muito diferente para a Marvel, enquanto ainda tem todas aquelas coisas da Marvel que as pessoas esperam e amam.” Há o lado aspiracional e uma grande aventura. “Mas também há esse outro sabor que nós nunca experimentamos. É muito diferente de Vingadores. É legal ver um lado diferente, como Thor: Ragnarok e Pantera Negra foram. Há esse outro sentimento sobre isso. E parte disso é porque foi dirigido pela Cate- é um filme da Cate Shortland, mas revestido com o Universo Marvel.”
Shortland será a primeira mulher a dirigir Johansson como Natasha, o que soa quase criminoso considerando que ela interpretou a personagem em outros sete filmes, não incluindo a cena pós créditos de Capitã Marvel.
“A perspectiva dela é completamente diferente. Ela entende a Natasha em um nível visceral. Colocando seu crédito artístico como cineasta de lado – somente sua perspectiva feminina é um grande fator para o resultado final. Em alguns momentos assistindo, não somente parece como um filme da Cate Shortland, mas você consegue sentir que foi feito sob o ponto de vista de uma mulher. Está naturalmente ali.”
Weisz concorda. “Ela realmente enxerga as mulheres, e todo o seu comportamento, sua complexidade. As mulheres são sexy e fortes, mas de alguma forma não são. Elas são o assunto, não o objeto. Elas se sentem no controle de suas próprias histórias, mesmo que elas pareçam loucamente sexy – Eu estou falando da Florence e da Scarlett, é claro”
A própria Shortland sente que Viúva Negra é uma expressão de si mesma, mais do que apenas outra parte pequena no sempre crescente universo da Marvel. O estúdio permitiu que ela contasse a história com nuances e focada nos personagens que ela queria. “Kevin me disse logo no começo ‘Nós queremos que você traga a sua infância, a sua história, e o que você acredita, e o que você ainda está testando,” ela diz.
Mantendo na família
Não dá para dizer que Viúva Negra não faz as coisas que você espera de um filme da Marvel. “É também muito divertido” diz Johansson, o que é esperado, e esse humor vem principalmente do Guardião Vermelho, o personagem de Harbour que o ator compara ao David Brent de The Office. “Eu sempre pensei no Alexei como não estritamente cômico, mas mais como um caminho para um estranho filme indie de cidade pequena, focado em uma família,” diz Harbour, parecendo que acordou agora: a estrela de Stranger Things e Hellboy está usando um roupão enquanto fala com a Total Film pelo Zoom.
“Há muita diversão nesses filmes da Marvel: você vai ver essas coisas grandes e más nessa grande aventura de ação. Mas no meio disso, há muita personalidade e muito humor. E é o que eu achei tão interessante sobre o roteiro. Eu pensei que estava indo em uma direção com o Alexei, onde ele é esse cara durão e brutal. Mas também, por debaixo disso, há toda essa doçura e estranheza, e todas essas qualidades de pai nele. Ele quer ser querido. Ele tem essas necessidades emocionais que são engraçadas de ver em um cara como ele, um super soldado.”
Outro personagem que vai fazer uma aparição em Viúva Negra é Rick Mason, interpretado por O-T Fagbenle. Nós ainda não vimos Mason nos trailers, o que levou muitos fãs a suspeitarem que ele poderia ser o vilão mascarado Taskmaster, que tomou o controle da Sala Vermelha e cuja identidade ainda não foi revelada.
“Eu interpreto um contratante privativo,” diz Fagbenle. “Ele tem contatos no submundo criminoso. Ele pode trabalhar com organizações militares tanto quanto pode trabalhar para organizações criminosas. Ele é tipo um agente amoral nesse sentido.” Sem surpresas, quando pressionado pela TF, ele não pôde comentar mais. “Ele é um personagem divertido, e ele tem uma dinâmica muito boa com a Viúva Negra,” ele ri. “Boom! Spoiler! Splash!”
Apesar de ter humor e ação, Viúva Negra ainda depende fortemente dos eventos do MCU. Primeiramente, Shortland assegura que o filme vai honrar a morte de Natasha em Vingadores: Ultimato e Johansson diz que oferece “significado” para os fãs da personagem. E tem o fato de que Viúva Negra inicia a Fase 4 da Marvel, o que está de desacordo com o começo de outras fases e que focaram principalmente em construir histórias futuras ao invés de resolver histórias antigas. A chave, parece, estar na personagem Yelena de Pugh.
Próxima geração
“É uma história de origem, mas também vai para o futuro,” diz Shortland. “Você tem aquela sensação de que Yelena vai ser diferente, ela não vai ser uma super heroína clássica. O que é bom na Florence é que ela não está interessada em ser um fetiche. Ela está nervosa sobre o que tem acontecido com as mulheres. Ela está nervosa com as injustiças sobre como as mulheres devem parecer ou agir. O que é divertido na personagem e que ela explora isso na tela. Então você tem essa personagem que é realmente irreverente, e que também questiona toda essa coisa de super herói.”
Com Johansson saindo de cena como a Viúva Negra, certamente pareceria que Pugh vai estar no holofote em filmes futuros da Marvel. “Eu definitivamente senti assim no começo,” Johansson diz quando perguntada sobre dar o nome da Viúva Negra para sangue novo. “Ela é completamente independente, Ela é forte e diferente. Ela é muito diferente da Natasha.”
“Você também vai ver a diferença entre gerações, como elas reagem às coisas, e com o que elas se importam, ou o que não se importam,” ela continua. “Parece tão novo, o que ela faz. É muito representativo, também, de como ela é como pessoa. Ela não tem remorsos, e é confiante em si mesma, e curiosa, corajosa e emocionalmente corajosa – muito mais do que eu era. E tudo isso vem à tona. É maravilhoso sentir que você está testemunhando algo grande acontecendo.”
Pugh, como você esperaria, está lisonjeada com as palavras de Johansson, entretanto, ela insiste que, enquanto todo mundo está se perguntando o que vem em seguida para sua personagem, Viúva Negra nunca parece que está tentando empurrar Yelena para você. “Esse filme realmente parecia que era o momento de Natasha redescobrir seu passado, e abordar sua dor,” ela diz. “Minha personagem meio que deu a ela essa oportunidade. E mesmo que todo mundo esteja desesperado para descobrir o que vem aí, mesmo depois de assistir, não é o que você fica pensando. Você finalmente sente que para todas essas pessoas, especialmente ela, e como ela é do jeito que ela é. Então, é muito divertido. Eu realmente me senti bem em fazer parte disso. Eu não estava realmente pensando sobre o que ia acontecer depois.”
É claro, Pugh não vai sair dessa tão fácil, e a TF pergunta: há mais Yelena em seu futuro? “Se você é chamado para estar em um filme da Marvel e é muito eletrizante e emocionante de estar lá, então é claro que a sua cabeça pensa: ‘oh, meu deus. Se isso foi assim, o que mais vem por aí?” ela responde. “Se isso acontecer e eu for sortuda que as pessoas gostem da minha personagem, é um caminho animador de continuar. Eu seria tola se não estivesse animada por isso. Eu acho que fazer parte do clube da Marvel é uma grande honra. Mas vamos ver se as pessoas vão gostar da Yelena primeiro.”
Adeus garota
Apesar do nome ser aplicado a muitas personagens, a Viúva Negra, por legiões de fãs, ainda significa um: Natasha. Essa será sua história final, com Johansson se preparando para dizer ‘proshchay’ (‘adeus’ em russo) ao universo cinematográfico que ela fez parte durante uma década.
“É definitivamente triste e feliz porque eu amo a minha família da Marvel”, ela diz. “Eu nunca vou estar preparada para não fazer parte disso. Eles sempre serão a minha família. Eu nunca me senti pronta para não estar nisso, porque eu odeio sentir que eu estou perdendo algo com eles. E quem sabe? Talvez em algum momento, nós vamos ter a oportunidade de colaborar de outra forma.
É certamente incrível poder produzir isso com eles, porque eu pude realmente conhecer o processo, e conhcer eles de uma forma intíma compeltamente diferente. Foi muito emocionante. E ao mesmo tempo, eu realmente me sinto bem em seguir em frente. Eu me sinto incrivelmente orgulhosa desse filme. é muito forte. E ficou muito bonito. Há muito amor nele. Tudo tem intenção e propósito. E, você sabe, Eu sempre vou amar a Natasha. Eu amei interpretar ela, e eu acho que ela se sobressai nesse universo de uma forma que eu acho boa. E ás vezes, você sabe, quanto mais…”
Ela pausa por um momento. “De todas as formas, e certamente como ator, é sempre bom sair de uma situação quando você está no topo. E se sentir bem sobre algo. É ótimo. E eu me sinto no topo com isso, eu realmente sinto. Eu estou muito orgulhosa disso. Então n´s vamos ver como todo mundo enxerga isso!” ela ri. “Mas eu sempre vou amar minha experiência com isso.” Se ela voltar ou não, Johansson finalmente teve a oportunidade de completar o ciclo e alcançar o potencial que sua personagem prometeu desde sua estreia na tela há 10 anos: e ela esperançosamente vai limpar um pouco do vermelho em sua conta.
A entrevista foi retirada da nova edição da Total Film